Vai e Põe uma Sentinela
(Imagem retirada daqui)
Depois de ter lido Mataram a Cotovia fiquei com uma vontade enorme de ler o livro que lhe sucede. Ainda levou algum tempo, não andasse eu a comprar livros apenas quando tenho um na estante, que este já teria sido lido há um bom tempo. Apaixonei-me pela escrita de Harper Lee e pela forma como deixa o leitor a pensar na vida, na humanidade e não esperava menos que isso para este novo livro, contudo, as expectativas foram mais que superadas. Quando terminei de ler o primeiro livro da autora fiquei com a vontade e o desejo de ler mais um pouco sobre as aventuras de Scout e Jem, os irmãos traquinas que estavam a crescer e a afastar-se de uma forma gradual. Envolvi-me de tal forma nas suas vidas que senti conhecer as personagens desde o momento em que nasci. No entanto, este livro não foi uma continuação das aventuras dos irmãos e dos amigos, mas sim um avanço no tempo, um salto enorme que fez desaparecer personagens que me eram tão queridas. Se não querem saber mais sobre o livro não leiam os próximos parágrafos!
Nas primeiras páginas apercebemo-nos que Scout já é uma senhora e que o seu apelido desapareceu, ficando apenas Miss Jean Louise, algo mais respeitável e menos rapazada. Vinda de Nova Iorque para Maycomb espera conseguir voltar às suas raízes, conseguir a tranquilidade que não consegue na cidade e, no fundo, reviver bons momentos, no entanto o inesperado acontece. Pela primeira vez na vida vê o seu super-herói e seu pai, Atticus, envolvido em algo que ela não compreende, numa espécie de repudiação dos negros, numa espécie de batalha entre negros e brancos em que este toma o lado dos brancos e não quer que existam misturas. Não de uma forma rebelde, não de uma forma vingativa, mas de uma forma educada, cheia de argumentação e até pacatez, mas que mexe com a consciência de Scout. Pela primeira vez na vida, Scout tem uma opinião diferente do pai, o que a leva a questionar a sua origem, a sua educação e até as verdades que aprendeu com o pai ao longo da vida. Scout recebe esta verdade de Atticus como um ataque à sua consciência e a tudo o que aprendeu com ele, de uma forma tão dura, tão real que se sente esmorecer e perde-se em si própria, afinal Atticus era o seu Deus.
Toda a história envolve esta batalha emocional de Scout com Atticus, mas foi ao longo do livro que me apercebi que algumas das personagens que amava tinham desaparecido do cenário. Jem morreu de uma forma pouco esclarecedora, a autora vai dando uma dica aqui, outra ali, mas terminei o livro sem ter a certeza da forma como Jem partiu e da forma como afectou a família. Cal, a empregada negra da família, voltou para casa após a morte de Jem e não se percebe muito bem o motivo, se apenas velhice, se tristeza ou até a questão racial. A tia voltou para casa e o que se passou com o primo de Scout e com o tio ficou bastante em aberto, existe uma pequena referência, mas a verdade é que é pouco esclarecedora. Dill desapareceu completamente, ficou pela Europa após a guerra e nada mais se sabe sobre ele, mas surge Harry que nunca tínhamos ouvido falar. Um Harry que quer arrebatar o amor de Scout, mas que parece ter pouco poder para o fazer. Apesar da curiosidade ter ficado, relativamente ao que aconteceu a todas estas personagens, a verdade é que adorei este livro, adorei até o facto de não desvendar o fim de cada uma das personagens e dar asos ao leitor de criar o seu próprio final.
Este foi um livro sobre os nossos heróis, sobre a perda de um herói, sobre a verdade e sobre a realidade. Um livro com uma Scout mais madura, com ideais formados e mais forte, apesar dos momentos de criança que ainda surgem dentro de si. Um livro que conjuga o passado das personagens, com um presente bastante diferente daquele que poderíamos ter idealizado no livro anterior. Um livro que faz pensar sobre as personagens, sobre o pensamento humano e até sobre a forma como lidamos com as diferentes raças. Este é um livro poderoso, daquele que nos prende da primeira à última página e que ainda faz desejar por mais.
Este livro passou imediatamente para a lista dos melhores livros que alguma vez li.