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justsmile

23
Jun17

Oh meu rico São João!

 

- Quantos dias faltam para o São João, mãe? - Pergunta uma Just ainda pequena à mãe que já está cansada de ouvir tal pergunta.

- É já amanhã, mas sabes que temos de ir cedo para a casa da avó, não sabes? - responde a mãe com toda a paciência do mundo, mesmo não sendo grande apreciadora de tal tradição.

- Sim mãe. Vamos ver os Bugios, um dia quero ser Bugio! - dizia eu, ainda sem perceber o sacrifício que era ser Bugio.

Após uma noite de sardinhada, largada de balões e fogo de artifício (em que no colo do meu pai fazia questão de ficar a olhar para o céu, mas de ouvidos tapados), o dia 24 de junho começava realmente cedo. Às nove da manhã o orvalho de São João ainda caía e já estava a chegar a casa da avó. As mesas já estavam montadas, prontas para um almoço de família rápido e muitas vezes descoordenado. Os lençóis para tapar o sol do dia quente que se avizinhava já estavam pendurados na ramada de uvas americanas e o cheiro ao assado no forno de lenha também já pairava no ar.

Passava o meu dia de trás para a frente, entre a casa da avó para refrescar um pouco do calor intenso e entre a festa, mas nunca sem perder os momentos mais altos da festa. Pequena, no colo do meu pai ou do alto de uma varanda de uma tia-avó, via sempre a dança de entrada dos Bugios, depois a dança dos Mourisqueiros, sem nunca se cruzarem. Via ainda a procissão religiosa do São João, sempre com andores todos coloridos, com as mais belas flores que podem existir e sempre com o olhar nas pessoas que cumpriam as suas promessas. Umas com velas, outras descalças e uns até vestidos com o traje académico. Claro que os modelitos, de quem está vestido para ir a um casamento não podiam faltar. A manhã passada, com tanto a acontecer na festa que na mesa de almoço nunca estivamos todos ao mesmo tempo, uns apareciam para comer, outros levantavam-se para ir para a festa porque queriam ver o Rei dos Bugios ou ainda dar um salto à igreja antes da parte da tarde começar. Mas nunca ninguém se chateava com isso, cruzávamo-nos na rua, cruzávamo-nos na festa e comentávamos sempre o que tínhamos visto, quem ainda íamos ver e até se os momentos altos do dia estavam atrasados ou adiantados.

À tarde a minha mãe já não queria ir à festa, ficava sempre por casa da avó para não se sujar. Eu, agarrava a mão de uma tia ou de outra e ia toda contente, de sapatilhas para não ser calcada, de roupa escura para não ser um alvo fácil a abater, mas sempre de mão dada a uma das tia para não me perder no meio da confusão da dança do cego. Ia atrás do burro, fugia dos sapatos que teimavam em voar cheios de lama e se por vezes ficava assustada com a forma como as pessoas corriam, por outro era aquela adrenalina, aquele imprevisto que eu tanto gostava. A minha tia só dizia 'nunca vires as costas nem tires os olhos do cego' e lá ia eu, sempre atenta, sempre amedrontada, mas nunca queria sair dali. Já ao fim do dia, o desfecho da festa era visto ao lados dos meus irmãos, a parte do dia que o meu irmão mais gostava, era a prisão do Velho, o momento da chegada da Serpente e a corrida dos Mourisqueiros em fugida do milagre que acontecia.

Eu como criança que era, queria ainda os carroceis e as farturas, mas era todo este ambiente de São João que adorava ver. Era a família sorridente e alegre que me fazia gostar tanto do São João, era toda a romaria de andar de trás para a frente para conseguir acompanhar toda a história. Era a sensação de pertença, de tradição e de história que me fazia adorar este meu São João e por nada do mundo abdicar dele (quantas vezes deveria ter ficado a estudar e fui para a festa, excepto uma e não correu muito bem). Quantas vezes cheguei a casa cheia de lama, de pó, com um pequeno escaldãozinho, cansada, mas com a sensação de mais um São João passado.

Ao longo dos anos as coisas mudaram muito. Os avós partiram e a casa já não nos pertence. Os tios foram-se dividindo e cada um come em sua casa, mas cruzámo-nos na rua, na festa, nas tradições. Sabemos que é ponto de encontro familiar, sabemos que é ali que vamos encontrar o primo, a tia e o tio. Ao fim de 26 anos há coisas que não mudam, a tradição mantém-se e amanhã é lá que vou estar. Já sei tudo de cor, já sei o que quero ver e onde, mas nada me faz perder este dia.

Oh meu rico São João, esperei um ano inteiro por ti e finalmente chegaste!

 

P.S.: Ainda bem que Ele é tão louco como eu pelo nosso São João.

03
Out16

Coisas da Aldeia: As vindimas

IMG_1879.JPG

Nasci e cresci na aldeia, local ainda hoje vivo e no qual gostaria de permanecer o resto da minha vida. Gosto das tradições que a preenchem e das pequenas tarefas da vida do campo. A chegada do Outono é uma das alturas preferidas para cá viver, é o início da queda das folhas, das transformações das cores das folhas, mas também a época das vindimas. Esta altura traz-me sempre memórias de uma infância feliz.

Este ano, tal como em tantos outros as vindimas foram feitas em casa, em família e em convívio. As cestas vieram para o campo, a roupinha mais velha foi trajada e as luvas foram calçadas. O trator preencheu o som que nos envolvia, mas também o riso e as vozes dos pequenos que não deixavam as nossas pernas e que tentavam apanhar os bagos que caiam ao chão. Este sim, foi um óptimo ano de vindimas, quase como os tempos antigos. Todos conversávamos, todos nos riamos, todos tentávamos envolver as crianças, mas sempre com um olho a ver qual a próxima partida que pregavam. Foi o primeiro ano em que tivemos tantos pequeninos no campo, foi o primeiro ano em que se usou uma prensa com motor e o primeiro ano em que nos voltamos a reunir todos. Há anos que não o fazíamos nesta altura. Este foi um ano de vindimas, de cheiro a vinho doce e de mãos pegajosas, de pequenos bagos à boca enquanto se apanham outros, mas principalmente de reunião.

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Este ano as vindimas na terrinha souberam-me tão bem como as da infância, e nem o facto de ter crescido tanto me fez sentir pior. Foi bom estar envolvida pelo campo, pela família e amigos, mas principalmente por aquele ambiente tão familiar que tão boas recordações me dá da minha infância.

Sou orgulhosamente da aldeia e acho que são estes pequenos momentos, em que apenas um aldeia o permite, em que me sinto a pessoa mais feliz do mundo.

 

P.S.: Fotografias de Just Smile.

20
Ago16

Há festa na aldeia

(Imagem retirada daqui)

 

De manhã, logo pela manhã, os foguetes fazem-se estourar no ar. Está oficialmente aberto o fim-de-semana de romaria na terrinha. As primeiras barraquinhas de doces começam a montar as suas montras e as mulheres da terra vão assear as campas com as flores mais bonitas e as velas mais caras. 

É com o som dos bombos que acordo, sei que estão prestes a chegar a minha casa e que a minha mãe irá a correr para o portão para atirar algumas moedas no saco vermelho sem fundo. É dia de festa e as cabeleireiras ficam cheias, há uma azafama no centro da aldeia, de senhoras para lá e para cá e cantores em cima do palco a experimentarem os microfones com 'um, dois, três, teste, teste'.

Os emigrantes já cá estão todos, com as suas matrículas coloridas a fazerem pandã com a roupa. Enchem a igreja na hora da missa como poucas vezes enche e são os primeiros na fila para assistirem à procissão das velas em honra da senhora. Uma procissão que trás luz às ruas com pouco movimento e que se ouvem as preces em voz alta de quem durante um ano andou a pedir milagres à senhora e agora os vem agradecer. Mas é depois da parte religiosa que a festa começa. Os mordomos da festa andam de um lado para o outro atarefados para que tudo fique perfeito. O povo cruza-se com amigos que não vê há anos. Há abraços sinceros de saudade, há sorrisos sentidos e puros e a conversa é colocada em dia enquanto o pé bate ao som da música pimba, que não pode faltar numa romaria. A noite termina com o tradicional fogo de artifício, apesar de pouco, enche o céu de cores e que faz as pessoas baterem palmas no fim.

A festa fica adormecida por poucas horas, de manhã cedo a banda filarmónica desfila nas ruas e a missa é transmitida em alto e bom som para toda a terrinha conseguir ouvir. Depois de um almoço farto e em família, os santos saiem à rua. Cada um mais bonito que o anterior e adornados com as mais belas flores, colorindo a festa e a procissão. As senhoras vestem os seus melhores vestidos que são só usados em dia de festa e têm o maior dos cuidados com os cabelos e os saltos altos nos paralelos. É no fim na igreja, quase vazia, rodeada de flores e de santos que me sinto tranquila, em paz e agradecida por mais um ano. É no fim que me lembro de que devido àquela festa eu e Ele nos cruzamos na vida. É graças a termos sido mordomos nesta festa que entramos na vida um do outro. Só por isso já tenho muito a agradecer à senhora.

Hoje há festa na aldeia!

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