Quando os nossos começam a envelhecer....
(Imagem retirada daqui)
Envelhecer não é um processo fácil. Ver o nosso corpo perder capacidades é um dos processos mais complexos para o psicológico do ser humano, mas é natural. Todos sabemos que mais tarde ou mais cedo iremos começar a perder capacidades, por muito que se tenha uma boa alimentação, por muito que façamos caminhadas ou por muito que tentemos manter o nosso lado cognitivo a verdade é que o envelhecimento é inevitável. A memória já não começa a ser a mesma, a vista já não vê tão bem como há vinte anos atrás e até as pernas já não fazem tantos quilómetros. Raras são as excepções em que tais sinais não começam a demonstrar a idade, todos temos consciência disso. E com a idade o que também vêm? As doenças, aquelas coisas chatas, primeiro uma infecção aqui, depois uma queda acolá e assim vai nascendo uma bola de neve de problemas e problemazinhos que parecem aumentar em vez de diminuir. Eu tenho noção de tudo isso, aprendi, estudei, trabalhei com essas pessoas de idade. Sei bem o que é a velhice e a doença, sei o quanto custa para quem envelhece e para quem vê envelhecer, mas aprendi a lidar com a situação, afinal esse era o meu trabalho. Mas e quando é com os nossos?
A avó que me ajudou a criar tem 87 anos. É a avó em que acordava de manhã e ia a correr dar-lhe um beijinho. É a avó que sempre me mimou e que fazia o melhor arroz de polvo do mundo. É a avó que todos os netos procuravam para fazer o leite com café com o pão integral na hora do lanche. É avó que montava o presépio na beira da janela, mesmo depois do avô ter partido. É a avó que cuidou do avô quando ele acamou. É a avó que ficou viúva há mais de quinze anos e que viveu na sua casa pelo menos mais sete. Mas também é a avó que há muitos anos que não cozinha. É a avó que há quase 10 anos vive de lamentos, que se foca nos seus problemas e que apesar do carinho, revive todos os dias os seus pequenos problemas sem pensar em mais nada e em mais ninguém. É a avó que se isola, que reza o dia inteiro e que pouco gosta de confusões. É a avó que tira a paciência a um santo, sempre com os mesmos problemas que aos nossos olhos nos parecem insignificantes. É avó que se queixa do joelho, da mão e dos gases, é a avó que vive de queixumes. É a avó que está quatro meses por ano em nossa casa, é a avó que vive com todas as filhas ao longo do ano. Mas é a minha avó. A idade transformou-a numa pessoa diferente, envelheceu-lhe a mente e a alma acabou por ir atrás. Pouco a reconheço da avó que conheci na infância, a velhice da mente transformou-a e apesar de não haver um nome para tamanha situação, sabemos que apenas a podemos atribuir à velhice. É verdade que nos tira a paciência, é verdade que é muito difícil lidar todos os dias com os queixumes de alguém que não consegue apreciar o que tem de tão bom na vida, mas nunca deixará de ser a nossa família. Nos últimos meses, desde Junho, tenho-lhe visto os sinais de envelhecimento surgirem com maior frequência e intensidade. A memória falha-lhe mais, dormita demasiado e, apesar de não ter sido em casa da minha mãe, as quedas nos últimos meses foram recorrentes, assim como a ida a hospitais de urgência. E é aqui que a alma se parte. Sabemos que a velhice é inevitável, sabemos que a idade traz dessas coisas e que a minha avó com 87 anos viveu imenso, talvez não sempre feliz (devido às nossas suspeitas de depressões), mas viveu com uma boa família. Tudo isso deveria dar-me um sorriso, mas tenho tido a alma apertada. A racionalidade não tem conseguido actuar sobre o meu coração de neta e pareço ter esquecido todas as lições que aprendi com o meu trabalho e com os meus estudos.
Ver a minha avó cada vez mais frágil tem-me feito fraquejar. Evito-o demonstrar, evito-o verbalizar, mas admito-o perante mim que não estou a saber lidar muito bem com a situação. Talvez porque a alma da minha outra avó partiu comigo, talvez por ter tido de lidar com a morte da minha outra avó me faça agora estar mais sensível. Talvez seja tudo isso e mais alguma coisa, mas tenho tido o coração apertado e não tenho conseguido aliviá-lo. Vê-la tão longe, tão distante de quem era tem doído. Sei que pode recuperar e irá recuperar, mas o lado racional também sabe que a partir de agora vai ser sempre a piorar, a sua fragilidade irá só aumentar e irá necessitar cada vez mais de nós. Na teoria sei todo o procedimento, vi mais que um caso assim, sei quais são os próximos passos e sei que é necessário mentalizar a família para tal, mesmo com as recuperações, os males irão continuar a aparecer. Mas na prática? Na prática estou a ser apenas uma neta que vê a fragilidade da avó aumentar de dia para dia.