Um ano em que tudo mudou e em que tudo parece igual
(Imagem retidada daqui)
Lembro-me como se fosse ontem, estava preocupada com a minha mãe, ela tinha ido para o Hospital de São João com o meu pai e estava na fila do Hospital de Campanha da Cruz Vermelha. Tinha febre, tosse, estava ligeiramente desorientada e nessa semana, o segundo caso de internamento no Hospital de São João tinha sido o pai de um aluno meu. Lembro-me perfeitamente de toda a preocupação, das vezes que estive ao telefone para saber como estava e até do dia de sol quente que se mostrava em Braga. Lembro-me também da minha coordenadora ter dito que a partir de segunda-feira ficávamos em casa, que as escolas iam encerrar, mas nem me preocupei com isso, só pensava na minha mãe. A minha mãe afinal tinha 'apenas' uma pneumonia e ficamos mais aliviados, afinal o desconhecido era bem mais assustador naqueles dias e na segunda-feira seguinte ficamos todos em casa a ser bombardeados com trabalhos absurdos.
Lembro-me como se fosse ontem, todas as incertezas que estávamos a enfrentar, mas a verdade é que naquela altura não imaginava que ficássemos tanto tempo confinados, achava que em dois/três meses as coisas ficavam resolvidas. Só no verão me comecei a convencer que nada de bom viria até ao verão de 2021. Hoje, acho que vamos ficar com este vírus o resto dos nossos dias e que a vida nunca mais será a mesma. E a verdade é que já passou um ano desde que tudo começou no nosso país e a sensação que tenho é de que tanta coisa mudou e ao mesmo tempo que nada mudou. As cidades ficaram desertas, na rua poucos carros passavam e o receio de contacto com desconhecidos aumentou exponencialmente. Tudo nos deixou com receio, o saco do pão, as compras que chegavam a casa e até as cartas, hoje já nada disso nos faz medo, mas há um ano tudo isso era considerado um problema. E apesar de agora sabermos (mais ou menos) com que vírus lidamos a verdade é que tenho a sensação de que tudo está igual, o egocentrismo das pessoas que no início foi substituído por uma enorme onda de solidariedade e com aplausos aos profissionais de saúde, agora voltou ao que era. A estupidez do mundo, que parecia ter desaparecido nas duas primeiras semanas desta pandemia, voltou e ainda de uma forma mais persistente, com o recurso a frases impossíveis pagmaticamente (como o uso recorrente de 'os meus direitos' que normalmente não encaixa no contexto do resto da frase proclamada). As notícias continuam a abrir com o covid-19, mas já não demoram horas sobre o assunto. Muita coisa mudou ao longo do último ano, voltamos a confinar dando a sensação que o mês de Março de 2020 nunca deixou de desistir, parecendo quase o mês mais longo das nossas vidas, pois a verdade é que em Março de 2021 nos encontramos na mesma situação com ligeiras nuances. As pessoas já não receiam tanto o vírus e começaram a desconfinar ainda antes de lhes ser permitido, os passeios nas marginais ao domingo parecem manter-se na rotina e convívios clandestinos continuam a acontecer. Tanta coisa mudou e tão pouco mudou efectivamente.
A minha vida mudou, definitivamente, não consigo pensar em férias para o verão apesar de as desejar ardentemente. Não faço reuniões de amigos e família há demasiado tempo, tenho umas saudades do tamanho do mundo. Aprendemos a aceitar o distanciamento social, apesar de nos doer, aprendemos a conviver com as novas tecnologias como se fossem uma parte de nós e a nossa casa tornou-se o nosso mundo, quase de forma literal. Se houve coisas boas? Sem dúvida alguma, esta pandemia permitiu a muitas pessoas reformularem as prioridades da sua vida, a outras permitiu ver e aproveitar os pequenos prazeres da vida e até a desacelerar o ritmo da vida. Permitiu às famílias ficarem-se a conhecer, no verdadeiro sentido da palavra, e a casa tornou-se o porto seguro, quando para muitas pessoas era apenas um local para dormir e mudar de roupa. Acho que muita coisa boa este último ano acabou por trazer à vida daquelas pessoas que o permitiram, a outras as coisas serão sempre negras. Muita coisa má aconteceu ao longo do último ano, é impossível ficar-lhe indiferente, mas continuo a preferir focar-me no que de bom nos trouxe.
No fim de contas, ao final deste ano de covid-19 nas nossas vidas continuo com a sensação de que tudo mudou e que tudo parece igual, mas a verdade? É que efetivamente a nossa vida foi mudada para sempre.