'Só não é rica porque não quer!'
(Imagem retirada daqui)
O meu fortúnio em entrevistas de outro mundo continua. E a seguinte tem sempre a capacidade de superar a anterior em 'top' de ridicularidade. Após ter omitido informações no meu currículo fui chamada para uma entrevista a qual o anúncio de emprego tinha como título 'administradora/secretária'. Com uma chamada tão rápida quanto o envio do currículo fiquei imediatamente de pé atrás, ainda questionei se seria trabalho na área de vendas, mas a senhora não me disse sim nem que não. Ainda assim lá fui eu à entrevista, sempre pensando que me iriam apresentar um trabalho de vendas a comissões, do qual tenho vindo a fugir a sete pés (relembro que nem para vender um calendário eu tenho jeito).
Apresentei-me atempadamente na empresa, não era muito longe nem muito perto, mas pelo menos conhecia a zona. Preenchi uma ficha de inscrição e depois foi só esperar para ser chamada por um homem, com os seus 40 e muitos anos, com a barba de três dias por fazer, uma gravata a apertar o pescoço na zona onde faltava um botão na camisa e um cabelo bem puxadinho para trás com gel (ou até mesmo brilhantina). A primeira coisa que notei, contudo, foi o cheiro nauseabundo a perfume que todas as salas daquele velho prédio tinham (agora pensem, se eu sou pouco sensível a cheiros senti, imaginem as outras pessoas!). Sentei-me na cadeira indicada pelo senhor e fui bombardeada por mil e uma informações inúteis que nada tinham a haver com o cargo, a função da empresa, o negócio da empresa e até mesmo com as condições do emprego. Levei uma lição de vida muito semelhante à minha primeira entrevista fora da área. Quando finalmente me foi feita uma pergunta sobre a área em que queria trabalhar respondi facilmente 'em qualquer uma, mas como isso é muito vasto sei facilmente dizer-lhe em que áreas não quero trabalhar: call-centers e vendas a comissões'. BINGO! Toquei no ponto sensível, ao que o senhor me começa com aquele fabuloso paleio de como nós (recém-licenciados, apesar de achar que já não me enquadro neste grupo, porque de recém já não tem nada) não queremos trabalhar, queremos ter uma vida facilitada, que se eu não quero estas áreas é porque no fundo não quero trabalhar, e mil um outros blá blá blás que em nada são úteis para a minha existência. Mostrei-me pouco flexível, inicialmente, dizendo-lhe que preferia trabalhar em produção (como já trabalhei numa fábrica) do que dar a cara por um produto, algo que não tenho minimamente jeito. Até limpezas disse que faria! Ora, a conversa mudou totalmente de direcção, começou a falar da minha beleza, que 'preciso de sair da escuridão e vir para a luz apanhar sol, mas com cuidado e sempre com um bom professor', que não posso ficar nos bastidores porque sou uma mulher bonita, inteligente e com bom poder de comunicação. Só lhe faltou dizer que eu era maravilhosa e perfeita, até me disse que não me poderia contentar com um ordenado de 600€ à porta de casa (isto porque 5 minutos antes eu tinha-lhe dito que na fase em que estou uma proposta assim me satisfaria as necessidades). No meio de tanta coisa ainda fiquei a saber a carreira profissional do senhor, os problemas médicos, as ambições de criança e o negócio de um casamento que (aparentemente) lhe correu mal. Sobre o trabalho da empresa e sobre o que ela fazia? ZERO! NADA! NENHUM! Essa informação ficaria para um primeiro dia de experiência, no qual fiquei de me apresentar (acho que o senhor acredita no pai natal).
Enquanto estive nesta entrevista apercebi-me de três coisas:
1. A necessidade de fingir que ouvia o homem, parando de lhe dar respostas à altura, para ver se ele se calava.
2. A vontade de me levantar e sair porta fora com duas palavras: 'Vá pastar!'.
3. A lavagem cerebral que esta gente tenta fazer.
Este terceiro ponto, se me deixou profundamente irritada, deixou-me também de certa forma fascinada. O paleio que esta gente consegue ter, fazendo-nos acreditar (ou pelo menos tentam) que vamos ficar ricos sem nos darem a mínima informação, é simplesmente fantástico. A forma como nos tentam fazer culpados por não aceitarmos a oferta, de tão boa que ela é, porque afinal parece que não estamos tão interessados assim em trabalhar, ou porque não precisamos de dinheiro como toda a gente. E depois, o paleio em que nos enchem de elogios como se nunca tivesse surgido naquele gabinete alguém tão espectacular como nós para o cargo oferecido. A forma como estes chefes falam (afinal já é a segunda entrevista assim a que vou) parece realmente uma sessão de lavagem cerebral para ver o mundo maravilhoso daquele negócio e em como fomos feitos para a posição de vendedores. Vá, o senhor nunca me disse que era para ser vendedora, mas também nunca o negou. Acredito, depois desta entrevista, que é muito mais fácil do que pensava cair nas mãos destes empregos milionários em que só não é rico quem não quer, basta alguém ter mais alguma inocência que eu e menos força para dizer um 'não' que são empurrados para um emprego em que nem as condições são conhecidas.
Ah! E já agora, uma dica para todos os entrevistadores, não digam que os licenciados não aceitam estes empregos porque não querem trabalhar (principalmente logo na segunda frase), fica-vos mal e já soa a um cliché batido. Os licenciados são apenas pessoas com mais conhecimentos e que não querem ser escravizados por qualquer um.
P.S.1: Depois de mais uma aventura de entrevistas penso, deverei escrever um livro só de entrevistas? É que só me têm saído 'duques'.
P.S.2: Por isso, gente desempregada, só não somos ricos porque não queremos.