O medo de perder a memória
(Imagem retirada da Internet)
Sou esquecida de natureza. Se em tempos o fui menos, agora sou mais. Esqueço-me de horas, encontros, números e nomes. Apenas a memória visual me apoia em tudo e mais alguma coisa. Na família não sou a única esquecida e distraída, considero que já é algo que me está nos genes e entre nós comentamos e rimos desses momentos. De quando se esquece de ir buscar o filho. De quando se esquece a boca do fogão acesa e saímos. De quando se esquece do número do cartão de multibanco. Mas no fundo todos temos o mesmo receio, o receio de que essa perda de memória se agrave e se demonstre na doença de Alzheimer. Fazemos desse medo um tabu, não falamos sobre ele e o ideal é nem sequer pensarmos nele. Contudo, tornou-se impossível fazercom que a minha mente não pensasse na possibilidade de vir a perder a memória depois de ter visto o filme 'Alice'.
Sempre que pensamos no avô lembramo-lo cheio de vida e rimo-nos dos seus momentos provocados pela doença de Alzheimer. Falamos deles no Natal, na Páscoa, no seu aniversário e em todas as reuniões de família. Ele nunca é esquecido, com e sem a doença. Mas a verdade é que depois de ver o filme lembrei-me de tudo de mau que a doença provocou, em como o avô que conhecia foi desaparecendo e em como foi surgindo uma pequena criança que falava nos irmãos e nos pais, em vez de se recordar da esposa e das filhas que cuidavam dele. De como se esquecia de que a noite era para dormir e o dia para acordar. Da forma contínua como perdia as coisas e acusava alguma criança de as ter roubado. Pequenas coisas que nos foram fazendo perder a pessoa que conhecíamos, mas que nos seus momentos de lucidez nos brindava com um sorriso e um 'desculpa o trabalho' que nos deixava o coração apertado.
Ao ver o filme apercebi-me do medo que tenho de perder as memórias, perder parte de mim. Sempre as valorizei e sempre falei delas neste cantinho tão meu. Afirmei vezes e vezes sem conta que não quero esquecer nenhuma parte de mim, que são elas que me fizeram tornar na pessoa que sou hoje e que me orgulho por fazerem parte de mim. E a possibilidade de as perder aterroriza-me. Aterroriza-me perder-me de mim, da pessoa que sou. É uma doença ingrata, que nos tira tudo, até a nós próprios. E o filme fez-me lembrar tudo isso, todo esse processo de perda.
Não quero saber se irei ter a doença, penso que de nada me servirá e fará mudar a minha maneira de ver o presente e o futuro, mas sei que não quero perder-me de mim. Não quero perder quem sou e apenas saber que essa possibilidade existe aterroriza-me.