Não digas: Nunca
(Imagem retirada daqui)
Lembro-me de ser estudante universitária e de ver os meus professores sempre atarefados. Trabalho aqui, trabalho ali, aulas acolá, doutoramento além. Uma vida de correria que me fazia uma confusão imensa tendo eles já filhos e companheiros. Aquela falta de tempo constante, aquela correria imensa para quem já não era um estudante fazia-me confusão, para quem já tinha alcançado algo na vida e continuava sempre cheio de trabalho e com uma falta de tempo tremenda. Na altura, compreendia que a minha vida fosse uma correria simplesmente pela razão de que eu TINHA de terminar o curso, não existia outra alternativa. E ao olhar para eles questionava-me "não seria melhor perder uns quantos euros e poder estar mais tempo com as suas famílias?", "com tanto trabalho não seria mais fácil dizer simplesmente que não a um e ter uma melhor qualidade de vida?". Fazia-me uma confusão tremenda ver aquelas pessoas a viverem só para o trabalho, para a profissão, pelo menos era isso que nos transmitiam todos os dias. Olhava para eles e dizia "Não! Eu nunca irei ser assim!". E realmente não queria. Não queria ter mais que um emprego, não queria estar atolada de trabalho e adorava conseguir ter todo o tempo do mundo para estudar. Achava que num futuro, não ele muito longínquo, iria conseguir fazer tudo na maior das calmas e ainda ter imenso tempo para viver bem.
Hoje olho para mim e vejo que engoli cada palavra que disse. Hoje trabalho a tempo inteiro, trabalho ao sábado, estou a estudar e ainda faço parte de actividades na minha comunidade, assim como integro uma associação. Deparo-me por vezes a compreender que, ingenuamente, aquilo que dizia nunca vir a fazer faz agora parte da minha realidade. Trabalho muito, menos horas do que há um ano atrás, mas com bastante desgaste físico e psicológico (maldito trânsito...). E ainda consigo ser aquele tipo de pessoa que gosta de fazer as coisas andarem, em vez de dizer que simplesmente não acontecem. Para colocar a cereja no topo do bolo ainda me meti a tirar uma pós-graduação. É então, hoje, que me sinto na pele daqueles professores que não me pareciam ter vida para além de todos os trabalhos e trabalhinhos. É hoje que sinto que a agenda está sempre cheia e que até tenho de pedir um tempo para respirar ou até que entre todas estas coisas e as reuniões sociais com amigos e família, não encontro tempo para mim. Vejo-me ao espelho e engulo todas as palavras que algum dia disse ou pensei.
E sabem a pior parte? Custa-me horrores negar trabalho remunerado, mas tenho-me obrigado a pôr um travão "Peço desculpa, mas já não tenho vaga.", "Lamento, eu não sou daqui e não consigo fazer domicílios, mas posso recomendar-lhe alguém". Estive tanto tempo longe da minha área de formação, estive tanto tempo a sonhar com algo que me parecia impossível, que agora negar trabalho me dá um aperto no coração. Sinto-me uma espécie de pessoa ingrata que não aproveita todas as oportunidades que lhe dão. Mas engulo, e evito dizer que sim a tudo, "Não pode ser Just, não aguentas ainda mais trabalho.", "Mais vale dizeres que não, do que ires gastar dinheiro na farmácia.", "Já tens demasiadas coisas para fazer, não podes comprometer-te com mais.", "Vá Just, também precisas de descansar.", estes são todos os argumentos que me auto-obrigo a proclamar de cada vez que tenho de dizer um "não". É então que penso em como a vida é irónica, há um ano atrás nem trabalho tinha na minha área, um ano depois nem sei bem para onde me irei de virar... E com tudo isto tiro uma enorme lição "nunca digas nunca", pois a possibilidade de engolires essas palavras é enorme.