Gosto de me 'desligar'
(Imagem retirada daqui)
- Gostava de ser assim como tu. - disse-me Ele um dia destes, depois de mais um problema ter surgido nas nossas vidas.
- Assim como? - questionei, ainda agarrada ao livro, mesmo depois de um dia cansativo de trabalho e de chatices.
- Gostava de ser assim como tu, ter a capacidade que tens de te desligar.
- Em tempos não a tive, aprendi simplesmente a desligar-me. Se estiver sempre a pensar na mesma coisa como tu não me serve de muito, o problema continua sem se resolver. Devias desenvolver essa capacidade. - respondi-lhe, enquanto pensava na altura da vida em que desenvolvi tal capacidade.
- Tens de me ensinar. Pelo menos à tua beira já relaxo um bocadinho.
E enquanto Ele continuava ali no sofá, com o seu ar de homem preocupado e que tem o cérebro em alto funcionamento, eu pensava em como tinha desenvolvido esta minha capacidade. Talvez tenha sido a vida, talvez tenha sido o meu cérebro que tenha criado um botão que activo inconscientemente. Talvez tenha aprendido com todas as contrariedades. Ou simplesmente tenha surgido com toda a minha força de vontade de superar tantos problemas. Talvez tenha sido apenas o cansaço.
Lembro-me bem de ser uma pessoa mais stressada, de ficar nervosa com os exames, de ficar com nervinhos na barriga quando tinha de falar em público ou até mesmo de ficar a pensar e a repensar nos problemas que pouca resolução tinham por si só. Hoje sou uma pessoa diferente, lido de uma forma mais tranquila com os problemas. É óbvio que tenho os meus devaneios, há momentos em que barafusto, em que só me apetece dizer palavrões baixinho e até que sinto o meu interior ferver e perder a paciência. Mas quando tenho um problema a sério, contínuo no tempo, que não tem resolução imediata tenho a boa capacidade de desligar (apesar de nos últimos dias não ser propriamente fácil, mas lá tenho conseguido). Tenho a capacidade de dizer 'hoje não se fala deste problema!' e de forma inconsciente consigo activar um botão que faz com que não volte a pensar durante um dia inteiro sobre tal questão. Tenho a capacidade de dizer 'hoje vou simplesmente aproveitar as coisas boas' e tento aproveitar o sol, saborear o chocolate a apertar-me bem nos braços d'Ele. Depois, mais tarde ou mais cedo lá caí a realidade e tenho de lidar com ela, mas já vou mais calma, mais tranquila, mesmo que os sentimentos se venham a transformar em minutos, mas ainda assim aquele breve momento de relaxamento sabe-me pela vida.
Não sei se esta minha capacidade de colocar temporariamente os problemas fora do meu pensamento se deve mais à minha teimosia ou à minha capacidade de selecção do que é importante. Não sei se tudo isto se deve a uma maturidade antes do tempo ou se até de um modo de auto-protecção extremamente necessário para 'tempos de guerra', mas a verdade é que à medida que me tenho desenvolvido e crescido como pessoa tenho aperfeiçoado esta minha técnica. Por vezes sinto, que esta minha necessidade de 'desligar' esgota ainda mais a minha energia, pois o inconsciente só pensa no problema e o consciente não quer pensar no assunto, criando uma batalha entre si que devora a minha energia. Outras vezes sinto que é uma das minhas melhores capacidades, aceitar que não tenho resolução para um problema ou que até o ter não vale a pena sofrer por antecipação ou pensar e repensar em como o poderia resolver se não depende inteiramente de mim. E ainda outras vezes sinto-me abençoada por conseguir ser assim, talvez a alguns pareça irresponsável a outros despreocupada, eu sei que os problemas não desaparecem sozinhos, mas acho que não merecem levar consigo toda a minha boa disposição.
Gosto de me desligar, há dias mais difíceis, os últimos têm sido assim, mas pelo menos sei que logo à noite quando estiver com o meu livro nas mãos ou nos braços d'Ele tudo vai me vai parecer, relativamente, mais fácil.
Hoje preciso de me 'desligar'.