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justsmile

03
Ago17

Terapia da Fala por um canudo

Sei que temos de ter esperança, sempre, mas também sou uma pessoa de ter os pés assentes na terra e à medida que o tempo passa apercebo-me que voltar a ser terapeuta da fala a tempo inteiro é cada vez mais uma ilusão. Todos os recentes terapeutas e colegas de curso começam a passar-me a perna. Começam a ter pós-graduações, mestrados e mais anos de experiência que eu e é o que mais me deixa de pé atrás quando me candidato a uma proposta de emprego em terapia, pois sei que estou a ficar para trás. Acabo por sentir dentro de mim uma incapacidade de lutar pelo meu sonho profissional, outras vezes penso que a minha condição, esta necessidade de ter mudado de área profissional, se deva unicamente a mim. Pensando de uma forma racional, sei perfeitamente que fiz de tudo para me empregar como terapeuta da fala, pelo menos tudo que me estava ao alcance. Trabalhei a 50 km de casa, trabalhei a 30 km de casa, com horários complicados, no primeiro emprego com estradas manhosas e no segundo em que tinha de aguentar o trânsito da Ponte da Arrábida todos os dias, mas nem isso me importava. Sei que fiz sacrifícios quando comecei a trabalhar na minha área, chegava já tarde a casa e ainda tinha de preparar sessões. Passava o sábado a preparar actividades e tive problemas com todos os meus patrões ou superiores. Racionalmente sei que fiz de tudo para depois destas experiências me empregar na área, fui a mil e quinhentas entrevistas absolutamente absurdas, mandei propostas para entidades privadas, concorri a concursos para escolas mesmo sabendo que não tinha a mínima hipótese e até para Municípios mandei propostas de actividades com crianças para um projecto de prevenção. Racionalmente sei que fiz o que podia fazer e se não fiz mais foi porque não sabia ou não podia. No entanto (é este mas que me mata aos bocadinhos), tenho dias em que se passa algo na minha cabeça e sinto que não fiz o suficiente. Se calhar devia ter aceitado aquela proposta absurda para ganhar experiência. Se calhar devia despedir-me e voltar para recibos verdes para ganhar experiência. Se calhar devia ter procurado mais um pouco na minha área. Tenho dentro de mim esta sensação de incapacidade, de falhanço de qualquer coisa que nem sei explicar, mas que parece fazer-me culpabilizar pelo facto de estar onde estou e não onde queria estar. Sei que todas as decisões que tomei foram sempre na procura de estabilidade financeira, de retorno financeiro que muitas das ofertas que me faziam não davam. Conscientemente, vim aqui parar na procura de uma estabilidade financeira que nunca me tinham oferecido e só assim consegui dar andamento a projectos pessoais que começaram a ganhar vida. Consciente e financeiramente sei que tomei a atitude certa, pois não tenho pais que me possam ajudar com as despesas, pois sei que preciso de dinheiro para viver e para conseguir ter uma vida a dois e até sei que este emprego tão perto de casa me trouxe muitas vantagens. Mas dentro de mim, tenho sempre esta perda de um sonho que parece nunca ser possível alcançar. Cada vez que penso no assunto fico com um vazio dentro de mim, um pequeno desgosto que me dá a sensação de perda de um sonho. Gostava de ter um bocadinho mais de esperança quanto a isso, mas ao olhar em frente sei que não quero voltar à instabilidade de recibos verdes, como sei que agora não posso estar a investir numa formação que não me é útil. E assim, sem dar bem pela coisa entro num ciclo vicioso em que nunca vou arranjar emprego como terapeuta porque não posso arriscar a minha vida financeira. Nunca vou investir em algo que neste momento não me serve para nada no dia-a-dia. E assim, volto ao início do círculo em que começo a ficar para trás porque não tenho experiência, nem formações após a licenciatura.

Se a minha vida fosse mais fácil ou o mundo mais justo, a proposta com um salário aceitável viria. Não teria problemas em mudar, em avançar se fosse ganhar o salário que está na lei e nenhuma destas questões se levantaria, mas como o mundo só funciona com escravidão, com quem aceita menos para trabalhar eu nunca sairei deste ciclo vicioso. Não sairei porque já passei muitas dificuldades financeiras e não as quero voltar a passar. E no fundo, lá bem no fundo, acho que acabo por não ter muita sorte e por isso só me surgem propostas ridículas e a essas sou obrigada a dizer que não. Ao fim de 26 anos, dou por mim a escolher a estabilidade financeira, em vez de seguir o sonho profissional e talvez seja isso que me faça deitar uma lágrima cada vez que penso neste assunto. Sinto que por todas as razões e mais algumas eu sou a 'culpada' de não seguir os meus sonhos ou que pelo menos a vida me condiciona dessa forma.

Cada vez mais acredito que não se pode ser feliz em todos os campos da vida, cada vez mais acredito que terapia da fala está longe de mim e se afasta cada vez mais.

 

P.S.: Volto a dizer, não me arrependo das minhas escolhas, não sou infeliz, mas há sempre este 'mas' que por vezes me entra no pensamento. Acho que é a única questão na minha vida que me faz levantar muitos 'ses', logo eu que nem sou dada a 'ses'.

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